terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Sobre o apego.



Existe um sentimento que, para mim , é talvez mais intenso que o amor. Mais profundo que a paixão. Não que ele seja mais intenso no grau em que ele balança as emoções, tremelica a alma, e colore de vermelho os pensamentos. Seria algo que o inglês chama de infatuation - mas, sem a rapidez que a definição da palavra mostra, esse é um sentimento que vem devagar, toma conta de nós como areia movediça, uma teia sentimental. Esse sentimento é o apego.

O apego não surge de repente. Ele aparece com os anos. Diferente do amor, que é algo sublime, Divino e incontestável, que pode surgir automaticamente (no caso amor maternal , paternal e fraternal) ou com o tempo (em relacionamentos duradouros) , e também diverso da paixão, que é repentina, arrebatadora e dínamo de loucuras, o apego é assim: chega em sua casa silenciosamente, com sua pequena maleta, e vai espalhando seus pertences pela sua mobília. Você nem nota. Dentro de sua casa, pessoas entram e saem, convidados derramam vinho no tapete - e ninguém nota as fotos que ele pendurou nas suas paredes. Ele dorme na sua cama, sem que você saiba. Ele faz tranças nos seus cabelos enquanto você sonha acordado, sem perceber. Mas um dia , quando você se olha no espelho após ter tomado sua xícara de café, vestido de pijama e bom senso , você pensa - eu me apeguei - e ZÁS , eis que surge ele, com uma imponente máscara preta de carnavais venezianos. O APEGO, em negrito e maiúsculas.

Inicia-se então uma jornada de "aperto no peito" (existe outra definição melhor para "aperto no peito" do que "aperto no peito"? Creio que não.) e saudades. Porque o apego é assim. Ele dói. Ele é uma coleira invisível que te amarra a pessoas, fatos, lembranças, objetos, manias irritantes suas e dos outros também. Por mais que não se goste daquilo ao qual se é apegado, não adianta - você se apegou. E como a raposa de Saint-Exupéry já afirmou sabiamente em O Pequeno Príncipe , "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". Tal frase não poderia definir melhor essa sensação de angústia, dor, aprisionamento, delícia e nostalgia que é o apego. É uma flor que você é obrigado a regar todos os dias, por vezes regando com carinho , outras vezes com desgosto.

E é devido a esse apego, a essa algema que une nossos corações a pequenas migalhas de eternidade espalhadas pelo cotidiano que nos faz manter no armário aquelas caixas abarrotadas de cartas. A guardar o frasco vazio daquele perfume antigo. A continuar passando por aquela rua, só para ver o jardim tão bem cuidado daquela senhora. A permanecer junto a alguém, mesmo que as coisas não estejam tão bem , mas simplesmente porque você não consegue se imaginar acordando sem ver ao seu lado o travesseiro docemente amassado por onde ela se deitou. A continuar morando com ela, porque é aquela espuma de shampoo que ela deixa no chão do box que te faz sentir vivo. A permanecer unida a ele, porque são as mãos dele, magras, segurando o volante, que fazem você olhar para as estrelas e agradecer a Deus e ao Infinito por estar ali. É aquela imagem dele , sorrindo, recolhendo com aquelas mãos o pó de café que ele derramou sobre a mesa que te fazem suspirar de júbilo nos momentos à sós.

Piegas , banal ou sensato, o fato é que a verdade, para mim, é só essa. Quando se tem apego, não existe mais a carne puramente carne, o desejo simplesmente desejo, o amor somente amor . Você cativou a raposa. O príncipe te cativou. Um liame , curto e imperceptível, te liga àquelas memórias, àquelas pessoas, àqueles rostos. Anos se passarão, e mesmo se o contato com essas pequeninas almas ficar perdido , elas estarão lá, embalsamadas nas nossas humildes sinapses. Um segredo: você pode ter desaparecido da minha vida, mas com as minhas lembranças, ah, eu olho para seus olhos todos os dias...

É o apego que, muitas vezes, deixa ainda mais árida a dor de um fim de relacionamento. Quando o caminho do casal se bifurca, resta o medo: "Eu nunca mais vou vê-lo? Nunca mais conversaremos?" Não é a vontade de voltar para os braços para a pessoa. Não é desejo. Porque o apego é a revolta. É a inocente indignação de não poder, nunca mais, ter com ela os mesmos momentos que haviam antes. Nunca mais ver comédias antigas na televisão. Nunca mais brigar pelo último chocolate. Nunca mais ver o sorriso dela ao entrar no seu carro. Nunca mais conversar com ela, tagarelar com ele, a menor banalidade que seja. Não saber mais como anda a vida dele. Os dias dela. Se está contente. Se cortou o cabelo. Se aquele arranhão sarou. Meu Deus, nunca mais ver a cicatriz daquele arranhão. Nesse momento, o arranhão torna-se mais monumental que as pirâmides do Egito. O arranhão, naquele joelho, guarda nele todas as suas saudades. Todas as suas vontades. Pessoas que não voltam mais. Tesouras que não voltam atrás.

Certa vez pedi um cappuccino em um balcão, sorrindo. E o barista me disse: "O café vai bem com um sorriso." E ao me entregar a xícara de café, notei que ele havia desenhado na espuma um pequeno sorriso, e embaixo, lia-se: SMILE. Aquele pequeno presente, perecível, desmanchável em apenas uma volta com a colher, foi, para mim, a tradução do apego. Em um só gole, o sorriso e a palavra se desmanchariam em café e leite, e aquele momento terminaria tão logo quanto a bebida. Pudesse eu eternizar aquele café! Fosse aquilo um flerte ou uma mera gentileza, o barista jogou ali em minha xícara pequenas migalhas da eternidade dele , que acabaram perdidas em espuma. Disse a ele o quanto tinha achado tudo aquilo belo e doce, tomei a minha bebida, paguei, e fui embora, com a quase certeza de que nunca mais o veria novamente, tampouco a espuma.

E tudo perdeu-se em espuma. A espuma do leite, a espuma do mar, a espuma do shampoo, a espuma do beijo. Nesse mundo de espumas, somos todos príncipes e raposas algum dia. Apegados àquele arranhão.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

La Résistance



Hoje só venho desejar uma boa última semana do ano para todos e deixar uma imagem para reflexão, ahahah!

Abraços...

sábado, 19 de dezembro de 2009

Brisa

Ele gosta de sol, é um arquétipo atemporal
Ele gosta de jogar, é um sedutor
Ele voa sobre seus brinquedos caros
E ninguém sabe de quem ele foge
Nem quando volta pra casa
Agora que finalmente há uma

Ele pode ser qualquer coisa
Você o adoraria de qualquer jeito
Ele é um tesouro sem mapa
Um mistério sem pistas
Fingindo que é tímido
Para disfarçar o orgulho
Fingindo charme
Para disfarçar a melancolia
Você nem notaria a diferença

Ele pode estar em qualquer lugar
Com qualquer pessoa
Mas ele espera por alguém
Que explode sob forma de sonho
nas profundezas do seu olhar sereno

Ele se aventura, ele se perde e se encontra
Ele se esconde e se diverte, ele tropeça
Ele parece criança, ele se assusta fácil
Ele amadureceu, ele aprendeu a seduzir
Qualquer uma, de qualquer cor ou tamanho
Você não saberia dizer quando

Ele passa ao seu lado e você nem repara
Ele arquiteta uma liberdade onde ninguém o alcança
Você não acredita que pode, ainda que deseje
Você não agüentaria os gritos e acenos
Sentir o olhar sereno se inquietando
com tantas cores e perfumes e formas
Você o ignoraria se pudesse, para seu próprio bem
Ele sabe e segue veloz, com os cabelos ao vento

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

SOLIDÃO




Ela sai, tranca a porta. Fecha o sobretudo preto. No hall do prédio velho e triste com cheiro de naftalina, ela espera o elevador enquanto olha os sapatos vermelhos. Naquele frio, o cobertor chamava de volta para o apartamento.

Rua. Sujeira, cheiro de frango assando, mofo do sebo da esquina. O sapato toc-toc no asfalto. Buzina. Morar num bairro pobre é triste e sujo e bonito. Olha aquele mendigo dormindo... Comeu marmita da Igreja. Ponto de ônibus, ela se aconchega do vento dentro do sobretudo. Um casal briga baixinho: ela negra, ele branco. Uma senhora com sacolas respira fundo. Passam ônibus, um, dois, cinco, nenhum é o dela.

Senta na janela. Abre um livro, mas o sono bate. Melhor observar. O rapaz ao seu lado batuca um samba que só ele escuta em fones minúsculos. Um homem finge dormir no banco preferencial assim que uma grávida entra no ônibus. O cobrador deixa uma senhora que fala sozinha descer sem pagar a passagem. Cada um se isola a seu modo.

Cidade grande e perdida, as pessoas na rua passam, casacos, gorros, luvas, as janelas dos carros embaçam com a fina chuva que cai mansamente. Suja e brilhante, cheiros podres e doces, shampoo e lixo.

Rua, chuva. Ela não se apressa, deixa a água encharcar seus cabelos. Os sapatos toc-splash-toc no asfalto molhado. Cada passo uma sentença. Ela chega à porta descascada e toca a campainha. Ele abre. Ela entra.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Feng shui


E antes de terminar o ano inauguramos um novo layout para o QueLegalZine. Inaugurar algo no final do ano... por que não fazer o debut da nova cara do zine no início de 2010? Porque somos do contra, porque esse papo de enrolar o mês de dezembro para só mostrar serviço em janeiro, como começar regime às segundas-feiras, não é com a gente. Adotamos nesse espaço o slogan da Cartoon Network: A gente faz o que quer.

O layout do QueLegalZine já estava em processo de mudança há algum tempo. No decorrer do ano ficou claro para todos que colaboram com o zine que já estava na hora de trocar o visual da sala, aplicar o feng shui por aqui, pois o canto do amor e do dinheiro não estavam sendo devidamente valorizados. Okay, estou de brinks. Não faço idéia onde poderia ficar o canto do amor e do dinheiro nesse blog (hummm... talvez nos textos da Paula e nos do Odin respectivamente).

Mas ficou aconchegante, non?
E o fato de ter um Elvis dourado e um São Jorge no topo da página já deixa explícito que a casa tem bom gosto. Então puxe uma cadeira, pegue um biscoitinho, tome um café e espere por absurdos gerais/globais/universais.

Que legal!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Por quê?

Ei.
Por que eu tive de te conhecer?
Por que eu tenho de te amar?
Por que, quando eu te amar, eu tenho de sofrer?
Por que eu tenho de te querer?
Por que nós sonhamos juntos,
e criamos nossos reflexos no outro,
pensando que nós éramos espelhos,
imagens de um ego ainda rouco?

Por que quando nos amamos
não criamos um teatro de cômicos,
de sátiros atores da noite,
damos cores aos nossos paraísos,
esquecemos do asfalto e do preciso,
vivemos na areia dos doces contos?

Por que você trouxe suas bonecas quebradas,
e não jogou os cacos de louça fora?
E assim, com caco por caco,
foi cortando nossos laços,
sangrando o sentimento embora?

Por que esse meu batom colorado,
me lembra de você tão loucamente?
Por que eu te gosto assim, tão imperfeito,
tão mentalmente intruso, tão roubado e tão ladrão,
tão rabiscado no meu rubro tom?

E você caligrafou no meu corpo
eu te disse que foi pouco a pouco
escrevemos um poema de loucos
um amor de caboclos
um delírio de poeta
o idílio dos profetas
o clichê delícia e banal
mas você foi vírgula, e eu, ponto final.

sábado, 14 de novembro de 2009

A chuva sagrada




A chuva caía na mata ardendo.
A chuva caía, e era só esse som que se ouvia na mata.
Atrás das árvores, com seus olhos bem negros
você me via de longe e eu te olhava.
Veio um pássaro piando, piava a agonia da mata.
Foi molhado o seu canto, foi seco o seu pranto.
O pranto seco na chuva da mata.
O pranto que seca e a mata que molha.
A chuva sagrada e a fruta gogóia.
Vamos pisar descalços nas folhas molhadas
No frio das sombras
Na estrela da noite.


Porque quando te vi na sombra,
quando beijei a noite,
eu sabia bem longe,
que te queria na mata,
eu queria seu assobio,
e você queria meu pio
descalça contigo nas folhas gogóias.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Rainha de Copas

A coroa é feita com tranças douradas,
mas o olhar é despretensioso, sonolento

É uma mulher pequena e rechonchuda
que sorri com meiguice e fineza
trazendo no centro do peito,
um coração brilhando púrpuro
e forte como granizo

a aura de bondade e gentileza
disfarça a cólera, a impaciência, a neurose

escondem-se sob névoa, o temperamento,
a autoridade e a mania de perfeição
e ainda assim, ela inspira amor e servidão;
é a grande rainha e a dona da história

no labirinto de paredes açucaradas,
uma lagarta aguarda pacientemente
enquanto prova do toque superficial
daquela que a criou e a aprisionou
pelo medo amoroso mas imperativo
de vê-la bater as asas coloridas,
na forma que nunca assumirá

todos os animais se reúnem a sua volta
e a idolatram, pois é a mão que os alimenta
enquanto ela conta sobre histórias e milagres
que nunca serão vividas, que nunca se realizarão

e sua voz doce vai consolando as asas quebradas
e no seu abraço, cabem todas as lágrimas,
todas as unhas que tentaram, em vão,
romper seus muros e determinações

e o tempo vai passando, enquanto as flores secam
aos que dormem aquecidos, sonhando voar alto
ela aguarda o momento certo de cortar cabeças
e poupar seus amados de uma vida de desventuras
pelos caminhos que ela mesma desenhou

pois não deveria haver nada além dos muros
nada além das árvores, nada além de sonhos
e, definitivamente, nunca alguém como ela


Dani.Chinaski

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Poetada №2

Pouca grana preciso ganhar
cama pra dormir, teto pra morar, pagar minha breja no bar

pagar motel, trepar, namorar
mas por Deus, sem filhos pra criar

admirar belezas, selvagens, destemidas
mas calma, quem disse que isso é poesia?

foda-se a métrica e a rítmica
escrevo o que quero, sem me preocupar com o fim do dia

faço como na Thelema, ou como Miller dizia
cuspo na cara da arte... mijo na rua, na esquina

feliz não sou, mas um sorriso sei tirar
pois sei que engravatados, algo assim nunca poderão criar.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

As sombras.




Sob o luar entrecortado pelas grossas copas das árvores, ela sentia a sola de seus pés repousando sobre as folhas secas. Cada folha craquelava alto, um som surdo de folha seca perdido na escuridão da mata. Cada folha era um grito no escuro.

Acompanhada apenas pelo canto de uma ou outra ave notívaga, ela sentia o frio gelado envolverem seus braços nus, mas com um objetivo em mente, caminhava, olhando para o solo, deslizando suas mãos sobre os troncos das árvores que a encontravam pelo caminho.

E em sua longa trilha que levava todas as noites para aquele que era o palco dos seus sonhos, ela ouvia seus pés pisando em folhas, encostando em gravetos, acariciando flores. Seus pés já eram abituados à rotina de folhas, gravetos e flores mesmo não tendo grande experiência, mesmo não sendo sábia, mesmo não sabendo acreditar.

E perdida, pequena no meio do mato, ela já pensava que iria saborear as suas lágrimas , derrotada, na volta para casa. Foi quando ela a viu: vistosa, brilhante, etérea, eterna, chorosa e risonha sobre as copas das árvores. Sob o manto prateado de sua musa, ela, ainda tão garota e tão serena, sentiu grossas gotas de devoção deslizarem sobre seu rosto. Sentindo o doce sal em seus lábios, ela caminhou para mais perto do lago, onde a sua musa jogava seu manto luzidio sobre a infalível água sedosa. A garota fechou os olhos tamanho era seu brilho, e ela lampejava fortemente, ofuscando todas as esperanças, rasgando todos os poemas, sangrando qualquer coração porque ela era, enfim, o destino de todo desejo.

E quando menos podia perceber, a menina já havia seus pés envoltos pela água gelada. Ela ainda mantinha seus olhos fitados sobre a diva argêntea que reinava no céu. Ela ainda chorava. E antes que pudesse cair ao chão com o peso de suas lágrimas, ela deitou-se na relva com os pés ainda molhados e observou seus grandes sonhos, todos no céu, brilhando em cima de seu peito aberto. Sentindo a terra encharcada perder-se por entre seus dedos, ela sentia a solidez da lama, do barro que havia sido a origem de TUDO, derreter-se como verdade , esfriando em suas mãos. Ela tateava o solo como se este fosse veludo, e ela sabia, que naquele monte de concretos em que os louros moravam, naquela mundo confuso que seus olhos não haviam alcançado mas que seus ouvidos conheciam, que seda ou organza algum eram comparáveis à grandeza daquele toque sobre aquele chão.

Engoliu cada gota de seu próprio sal como se todas elas fossem uma pequena panacéia para sua vida, abençoadas por sua Salvação de Prata que sorria ao longe. Cada gota descia morna dentro de seu corpo, deslizando leve como pequenas almas, aquecendo o espírito, escorrendo a dor.

E quando já estava prestes a derramar longos soluços ao ouvir os lobos ao longe, percebeu que a doce luz de prata agora confundia-se com o clarão vermelho e intenso das tochas do bando. Eles haviam vindo buscá-la , desesperados com sua ausência , e ela , temerosa por ter de voltar à crudez cotidiana, agarrou inutilmente uma pequena folha de relva, como se esta pudesse amarrá-la às suas esperanças. Desejou ardentemente possuir uma canoa, e poder remá-la, remá-la até estar no meio do lago e banhar-se com o brilho total e intenso de sua musa crepuscular, sentir a eternidade de sua luz, a iluminação que ela trazia aos seus mais loucos sonhos. Mas, imóvel diante de tantas tochas ardentes, ela contentava-se em observar a doce salvadora em meio às estrelas, às doces lágrimas de sua heroína que eram chamadas estrelas, e que vez ou outra, quando caíam, os louros chamavam de "cometa". Ela deslizava seus pés sobre a fina borda das águas que ainda estava próxima de suas pernas, sentindo seus tornozelos molharem, esperando que as mãos do bando levassem-na para longe.

Foi quando ela sentiu um beijo terno repousar sobre sua testa, e uma voz virando-se para eles: "Vão. Eu voltarei com ela". Ele deitou-se ao lado dela, e ela, cujo coração quase serpentinava em direção à musa, de tão rápido que pulsava, engoliu a vontade de derramar o soluço que estava por vir. Ele abrandou , com sua mão quente, a gelidez de sua mão de menina , e ambos sentiam o toque da sábia terra sobre suas peles. E ele, imerso pelo encanto incontestável daquela Branca Amazona e de suas lágrimas-estrelas, apertou mais fortemente a mão da menina, ambos submersos pelo doce feitiço da paladina prateada.

Então os dois, atados pelo toque de seus dedos, embarcaram juntos numa jornada de percepção da própria pequenez, da maravilha de ser diminuto perante o infinito, do privilégio de ter a desimportância perante o Céu e a Terra. Sentiam o minúsculo pulsar de suas almas perante a vindoura aurora, e antes que a musa então partisse com seu aceno esvoaçante, ele atirou-se à tentação de dizer:

- Meu desejo era vir vê-la todas as noites.

E a menina, então, ao ouvir palavras tão gêmeas das suas, liberou todo e qualquer soluço, seu choro era o urro, o grito da noite, o desespero profundo da noite, cortando o cenário negro e inebriante da escuridão, e ele sentiu com suas mãos o grito dela, e num desespero e maravilha resolutos, ambos preferiram acalmar o pranto e apreciar os poucos segundos que restavam da epifania da divina Musa...

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Ororo

meu rosto ganhou uma ruguinha nova
na curva onde o sorriso se acentua
é o tempo construindo seus sinais
pelo medo de ser esquecido

e ao lembrar da passagem do tempo
sirvo um café e lembro dos dias áureos
em que eu sonhava ser, para sempre,
uma heroína dos quadrinhos

dentre as maravilhas que já consegui fazer
voar, feito pássaro, continuou a ser sonho
mas o tempo olha pela janela e me promete
“Daremos um jeito”.


Dani.Chinaski

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A Noite.



Te vi no molhado da noite,
No negro da noite,
No escuro da noite.


Você estava no fim da rua, olhando-me de longe, as mãos tão distantes, os olhos chorando.
Na rua fria, a chuva caía calada. E eu sabia. Você ao longe, você chorando, sem derrubar uma só lágrima, mas caindo aos prantos.
Olhamo-nos juntos, juntando retalhos de nossas sombras, jogando sorrisos profundos, tentando entender o mundo.
Sua lágrima escorreu em um segundo, e eu corri em sua direção, com toda e sem nenhuma pressa, eu corria pisando nas poças, sujando sapatos e quebrando saltos, eu corri com os sonhos mais altos, eu corri para cair nos seus braços.
E em um nada construímos o tudo, porque agora o infinito importava.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

O Aquário



janelas imensas que deixam ver os jardins e os animais do aquário
todos ali, flutuando como se estivessem dopados
como se estivessem sonolentos, satisfeitos
ou como se não soubessem mais quem eram

os tubarões tentavam farejar as crianças que cantavam baixinho,
com os narizes grudados na parede espelhada.
passavam rente à elas, roçando os focinhos pontudos, apurando aqueles olhos frios.

um peixe-lua surge em close no meu campo de visão, flutuando de baixo para cima, bem em frente à janela onde eu estava. um olho de cada lado naquele corpo redondo e cinzento, que se movimentava como um balão. que coisa estranha.

outra sala e surge uma piscina iluminada por um teto de vidro,
rochas, grandes blocos de gelo...e pingüins!
Dezenas deles, acenando freneticamente.

outros tanques anunciavam pedaços deslumbrantes de oceano.
estrelas do mar, coloridas e ranzinzas, corais, moréias,
esponjas, cardumes coloridos de peixes miudinhos,
medusas mães e filhas, azuis e muito brilhantes, nadando lentamente.

é o jeito humano de se apreciar o oceano:
mutilado e montado como um quebra-cabeça,
assegurando minha segurança e diversão.

mas quem tiver ouvidos que ouça
o silêncio daqueles olhos marinhos



Dani.Chinaski

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Bom Tempo.




Limpei a casa, esbarrei na estante e,
caiu-me o retrato em pedaços.
Cacos catados e arrumados,
no lugar de antes, um espaço.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Faz assim, ó : NÃO ENCHE.



Não sou obrigada a aguentar suas manias.

Não sou obrigada a ser do jeito que você quer que eu seja.

Não sou obrigada a gostar de você.

Não sou obrigada a rir das suas piadas.

Não sou obrigada a ter um namorado na hora em que você acha que eu devo ter um.

Não sou obrigada a ficar solteira na hora em que você acha que eu devo ficar.

Não sou obrigada a ficar com você, só porque você acha que eu quero.

Não é porque eu sou legal com você, que eu quero ficar com você. Eu só fui legal.

Não é porque eu sou solteira, que eu sou obrigada a ficar com o primeiro cara que aparece. Ou o segundo. Ou o terceiro. Ou aquele que me dá bom dia todo dia com um café na mão e pergunta para que andar eu vou , eu também não sou obrigada a ficar com ele.

Porque não é porque eu sou solteira, que eu tenho que ter vontade de estar namorando alguém agora.

E não é porque eu sou solteira, que eu tenho que ter vontade de ficar com meio mundo em 450 baladas todo fim de semana.

Eu posso ser solteira e me sentir bem assim.

Eu posso ser casada e me sentir bem assim.

Eu posso ser do jeito que eu quiser, QUE EU NÃO SOU OBRIGADA.

Eu posso ser lilás, amarela, furta-cor, ter um pônei azul elétrico de lustre no meu quarto, que eu vou continuar NÃO SENDO OBRIGADA.

Então faz assim, ó:

NÃO ENCHE.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Meu lado piegas

Ainda ontem, ele estava bem aqui,
no lugar que sempre lhe pertenceu
No pedaçinho de infância que resistiu
E sua presença nesse mundo era tão óbvia
E era tão mágica e tão brilhante
Como as coisas que só ele podia fazer
E como mágica, ele desapareceu
Deixando no ar uma sensação de sonho
A impressão de ter existido rosas negras
Naquele canteiro vazio



Dani.Chinaski

quinta-feira, 2 de julho de 2009

DES ABAFO

Hoje é 03 de abril. HOJE SÃO três de abril. Tanto faz. Tanto faz? É, não sabia? Que eu saiba não! Mas tanto faz, porra! Tanto faz nada! Então tá. Ficou bravo? Não fiquei, só que tanto faz. Se tanto faz, por que ficar tão bravo? Pela correção desnecessária. Se é desnecessária por que a raiva? …. Vamos sair hoje? Não sei, você quer? Quero. Pra onde quer ir? Tanto faz. Ai caralho! Qualquer lugar pra mim tá bom. Qualquer lugar? É, tanto faz! Vamos ao cinema. Ah não, cinema não! Teatro? Ah, não. Caralho então porque você disse que tanto faz o lugar que vamos? Porque tanto faz, desde que não seja o cinema e o teatro. Então você escolhe. Ok, eu escolho.

É aí que você vai para num restaurante japonês caríssimo e morre em R$ 200,00.

domingo, 28 de junho de 2009

,


ei,
eu nunca quis saber qual era a verdade,
mas ela veio à tona,
e eu a amei de verdade,
foi quando você me ligou e disse,
de voz rouca e tom baixo,
que não poderia fazer nada,
e quando você o fez,
e apareceu em casa,
e com seu hálito de menta,
me disse tudo aquilo,
e fez de tudo um pouco,
e amou como um louco,
eu sorri chorando,
você chorou sorrindo,
e soltou um longo suspiro,
e me pediu outra,
e eu te dei a outra,
eu te pedi aquele,
e você me deu aquele,
e você nunca esqueceu,
e me lembrou de novo,
que era apenas a hora,
de não se jogar fora,
foi quando na demora,
você olhou profundo,
e disse num segundo,
que foi a mais pura verdade,
te mostrei as estrelas
e te contei a vontade,
e foi por isso, é só por isso,
que você resolveu QUE



(eu nasci para um amor profundo e você é a profundidade.)

terça-feira, 16 de junho de 2009

Poeteiro

Hey, Boo
Cê tá... Cê tá esquisita
Hey, Boo
Cê tá... cê tá... cê tinha todo aquele amor pra me dar
Pra me dar, Boo. Cê tinha todo tempo e amor pra me dar, Boo.
Cê tinha todo tempo e vontade pra me dar, Boo.
Cê tinha todo prazer em me dar, Boo.
Mas Boo... Cê tá esquisita.
Cê foi embora e me deixou sem nada, Boo.
Cê tá esquisita.
Cê foi embora e me deixou sem você, Boo.
Cê tá esquisita.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Quero que o mundo se dane... *


Então teve a Virada Cultural na Cidade de São Paulo nos dias 02 e 03 de maio.
E eu fui. E fiz o centro antigo de São Paulo de ponta a ponta.
E sim, este texto é retardatário.

Acho fabuloso esse evento porque ele te permite 'conhecer' uns lugares, ruas do centro de São Paulo que só se encontrando em um estado mental alterado você, em um dia normal, se atreveria a passar às 2h, 3h da manhã... e eu super animada nessa mega festa cultural começando a noite do lado da cracolândia. Fantástico ou não?


Para quem não conhece a Virada Cultural ela acontece na cidade de São Paulo uma vez por ano desde 2004 e é sempre em um fim de semana, começando às 18h do um sábado e indo, non stop, até às 18h do domingo. São shows, filmes, peças, intervenções, exposições, apresentações diversas acontecendo em diversos pontos da cidade. O metrô e os trens funcionam madrugada a dentro o que torna possível presenciar a hora do rush às 2h30 da manhã! Em 2007 eu peguei o metrô nesse horário e desacreditei na luta que foi entrar em um vagão. Esse ano, em algumas estações para evitar tumulto, a galera tinha que entrar em pequenas levas. Isto é, tinha que esperar para usar o metrô e a única atração curiosa pra ver no metrô era a galera tombada, largada nos cantos. Quando digo tombada não é de cansaço não, é por falta de consciência mesmo.
Eu fiquei das 21h do sábado até às 15h30 do domingo participando da Virada. Vi muita coisa e deixei de ver muita coisa mas o que valeu mesmo nesse ano foi:

FILMES DE TERROR NO CINE DOM JOSÉ


Fui com meus amigo pra lá assistir 'Planeta Terror' e o lugar estava lotado. O cinema tinha cara de decadente e no hall de entrada tinha como decoração apenas um poster. E de que filme era o poster? CABARET! Com a Liza Minelli!!! De que século era aquele poster? A partir daí era só somar dois mais dois para deduzir que esse foi o único poster que acharam perdido no cinema e que não era de um pornozão forte. Uma sala de cinema no centro antigo de São Paulo sem ser o Olido para mim é cine pornô. Quando conseguimos entrar na sala estava no meio do filme 'DellaMorte DellAmore'. Ficamos em pé, no fundo da sala naquela histeria da galera berrando nonsenses e gritando a cada tiro, a cada cena mais nojenta. Quando entrei na sala fiquei pensando: 'Que nojo esse povo sentado nessas cadeiras, NO CHÃO! Será que eles não desconfiam que tipo de sujeira os clientes habituais do recinto deixam por ali durante a semana? Argh!'. Mas o cansaço superou o nojo e assim que vagaram algumas cadeiras eu e meus amigos sentamos. Bem, pelo menos já tinha passado por ali algumas pessoas desde às 18h o que já dava pra levar embora na roupa qualquer resíduos não limpo na cadeira... a não ser que alguém que seja cativo do cine não tenha se entimidado por causas dos zumbis e se entregou, mesmo assim, ao onanismo o que acho pouco provável mas como tem tara pra tudo nesse mundo... okay okay é melhor nem desenvolver a idéia.

Mesmo assistindo somente metade do filme 'DellaMorte DellAmore' já me tornei fã. Absurdo, triste e engraçado. Adorei. E tem umas frases espetaculares no roteiro como: 'A morte - Este palhaço delirante!'. Intenso. Agora eu só preciso saber onde consigo esse filme.

Eis que chega a hora de 'Planeta Terror'. A criatura que estava fazendo a projeção dos filmes (aka trocando os dvds) adiantou o trailler do 'Machete'. Fiquei indignada e ainda bem que não fui a única. Todo mundo começou a gritar pro cara passar o trailler e acabaram voltando o filme. Acho que se estivessem passando 'Trovão Tropical' ia acontecer a mesma coisa.

Já havia assistido 'Planeta Terror' e assisti-lo novamente naquele pandemônio foi surreal e maldito seja o homem do colete com bigodinho de vem cá meu puto que jurava estar convergindo holofotes enquanto bebia uma coca-cola encostado em um canto da sala.

SHOW DO ODAIR JOSÉ NO LARGO DO AROUCHE


Fui almoçar com meus amigos na Liberdade e acabei perdendo a primeira música do show. Quase tive um AVC quando um senhor me avisou que a primeira música dele foi 'A noite mais linda do mundo (a felicidade)'. Como assim?! No meu perfeito set list imaginário era para ele fechar com ela! Fiquei putíssima por ter perdido essa música mas nem por isso o show perdeu seu encanto. Acho que dava pra contar fácil quem ali tinha menos de trinta anos (eu, meus amigos, um jornalista da Folha, um cara da revista Piauí, alguns fotógrafos e outros jornalistas - foi onde eu vi mais jornalistas na Virada).

Chegamos no show com ele cantando 'Essa noite você vai ter que ser minha'. A galera sabia as músicas dele e cantava junto (eu no balaio, claro). O show foi só dos clássicos e foi bem rádio também, dedicou música, desejou feliz aniversário para uma fulana que estava na platéia e mandou um recado em um papel avisando que fazia aniversário naquele dia, autografou vinil, recebeu flores e cantou com o Zeca Baleiro o que pra mim foi um pusta disperdício de tempo porque ele acabou cantando 'Eu, você e a praça' duas vez já que o Zeca Baleiro tinha regravado a música questão. Se não fosse isso teria dado tempo para ele cantar 'Ela voltou diferente'. Meu amigo Thi queria ouvir 'Uma vida só (pare de tomar a pílula)' e ele não se decepcionou. Foi uma tarde de clássico não só no futebol mas também naquela praça ao som de 'Eu vou tirar você desse lugar', 'Deixe essa vergonha de lado', 'Na minha opinião', 'Que saudade de você', 'Vida que não pára' entre outras. A tarde estava ensolarada, a galera animada e o show terminou com 'Cadê você?'. Ouvir todo o Largo do Arouche cantando o refrão dessa música a pleno pulmões foi mágico. Super! Deveria ter sido um show de duas horas!

Ah tá, esqueci de avisar: Eu adoro as músicas do Odair José.

* Essa frase é da música 'Na minha opinião' que causou comoção na galera com os versos: 'Na minha opinião o importante é se querer, assinar papel pra que, isso não vai prender ninguém...'. Ahhh gente, Odair pra vida!

domingo, 3 de maio de 2009

Bukowski advised us: Love is a Dog From Hell


* - pourquoi personne ne parle de l'amour ? - *

eu costumo pensar no Amor como alguém perverso
que se diverte nos observando cair em suas armadilhas
porque só ele, o Amor, sabe que a nossa afeição
pode ser eterna sem durar uma vida
e que nós somos uns sonhadores
(e quem sabe aonde os sonhos acabam?)

quando nos apaixonamos,
o Amor nos espreita, com olhar maldoso
porque conhece nossos corações
e sabe das nossas falhas, do que somos capazes
e se um dia as promessas e sonhos
voam longe, aos estilhaços, o Amor se ri

em seu prazer sádico em nos sussurrar
que a vida vai continuar,
e onde termina uma história, outra se anuncia
e os estranhos de hoje serão as almas gêmeas de amanhã
e então, negaremos o que já nos foi precioso

o que aprendemos juntos será oferecido a outro,
ao novo amor que nos promete um novo sonho,
no fundo, sabemos que é tão ilusório quanto seu antecessor
mas nos convenceremos que finalmente amamos de verdade
pois ninguém lembra que o Amor é desleal
e por isso, ele sempre nos vence

O Amor é cruel ao nascer e ao morrer
porque morre lentamente, amargurando as idéias e os ideais
e porque ele nunca morre só: leva sempre um pedaço de nós
esperança, desejo, fé, alegria...
você escolhe o que consegue segurar
e reza para encontrar um meio de recuperar o resto

Então, chega o dia em que você compreende o Amor
como um sonho alucinante com o estranho poder
de mudar destinos, para o bem e para o mal
até que um dia você se dá conta
que seu coração é um circo onde fantasmas vagueiam.


Dani. Chinaski