quarta-feira, 1 de agosto de 2007

O Platonismo




O amor platônico, aquele não-realizado, o idealizado e sonhado, é uma coisa tão idiota.



As pessoas sofrem à toa, tentam disfarçar seus sentimentos, com medo da rejeição do outro amado. Eu odeio isso. O mundo seria tão mais simples se um se declarasse ao outro sem compromisso, sem medo.
Imagino quantos pares já não existiram nesse mundo em que um amava platonicamente e outra era a amada sem saber que era. João e Teresa eram amigos - João era loucamente apaixonado por Teresa, mas achava que ela, por ser tão bonita, inteligente e ousada no seu vocabulário, nunca se interessaria por um João tão comum, tão moreno de olhos castanhos e tão balconista de lanchonete.
Por isso , João , sempre que via Teresa, ficava com um nó na garganta. Um nó formado por frases não-ditas, filhas do Receio e da Insegurança. Quantas vezes Teresa não chegava linda, sexy e poderosa à sua frente, com seu sorriso atrevido e ao mesmo tempo tão doce, e João deixava escapar o momento de dizer "Caramba, mas você está maravilhosa hoje". Afinal, por que Teresa ia gostar de um elogio vindo de alguém tão desprezível? Era bem capaz dela começar a odiá-lo por ofendê-la com tal abordagem constrangedora.
Quantas vezes João , encantado com as coisas que Teresa lhe dizia, não morria de vontade de segurar a moça e dizer , num tom de voz dos mais confiantes: "Teresa , não dá mais. Você é linda, você é inteligente, você me faz rir, você é minha amiga. Fica comigo , Teresa. Eu quero te beijar, eu quero você, entendeu? Se você não quiser ficar comigo, eu terei de lidar com isso, mas Teresa, é você quem eu quero".
Mas João não disse. João, ao invés disso, deu um sorriso quadrado e burro para Teresa, fez uma cara de bobo conformista e pensou "ufa, não fiz besteira". E ficou ouvindo as peripécias de Teresa, vendo-a tomar seu cappucino de forma tão despreocupada, admirando cada detalhe dela em silêncio.

Naquele dia, Teresa, mesmo com toda sua beleza e encantamento, chegou em casa, ouviu "Oh! Darling" dos Beatles , ficou duvidosa e pensou em João. E irritou-se por não saber mais o que fazer para agradá-lo. Ela se arrumava, tentava ser o mais bela possível, a mais inteligente, fazia mil tiradas irônicas e puxava todas as sacadas de sua manga , mas João mostrava-se indiferente, ao que parecia.
Por que ele era assim? Ele que tinha toda uma beleza selvagem dentro dele, e não a percebia. Ela tinha certeza daquilo, tinha certeza de que se tirasse aquele boné com a logomarca e a camisa polo, e lhe dessem um banho de loja, e uma dose de auto-estima, ele seria um dos caras mais sedutores já vistos. Ele que tinha um sorriso malandro e ingênuo. Ele que não fazia pose como os demais. Ele. Ele daquele jeito mesmo era tão encantador. Talvez ele tivesse consciência de sua beleza agridoce e de seus maus modos incrivelmente irresistíveis, e por isso a tratava apenas como uma irmã mais nova. Talvez ele queria mais do que ela podia oferecer.
Mas ela se esforçava tanto! E naquele dia ela ainda havia colocado seu vestido mais atraente , e estava impecável! E João não disse nada. Ele deveria ser um grosso, um desses rudes que gostam dessas comuns por aí, dessas comuns de gosto-comum e senso-comum . Ou então ele era gay, vai saber.
Teresa, então , desligou o cd player e esqueceu João.
Essa tarde mesmo ela passou em frente à lanchonete de mãos dadas com um outro alguém.




O nó na garganta de João nunca havia sido tão grande, até hoje.

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